(voz: Maria Caú)
Eu não tenho medo
de fantasmas;
nem de mim,
do que sou capaz.
Não temo o acaso,
a idade, a morte.
As guerras,
diante das fragilidades
da matéria,
me soam naturais.
Difícil seria a paz,
quando nascemos
na dor.
Custei a entender
a anatomia do medo,
o momento em que o felino
assalta o espírito.
As florestas e os desertos,
contrários como são,
imitam-se na escuridão
das ameaças.
Medo que apavora
é o medo de estar só.
Olhar em volta
e não reconhecer ninguém,
não se reconhecer.
Isolados, os soldados
perdem o uso das pernas
antes que a explosão
as leve pelos ares.
Eu,
capitão das minhas batalhas,
errei na ânsia de acertar.
A anestesia que me
ganhou o corpo
tinha um encanto
traiçoeiro,
ao mesmo tempo
sedutor e voraz.
A marca das marcas
do Demônio.
Medo é o que não posso
e não devo ter.
É como uma segunda natureza,
que faz da primeira
um joguete.
Mas se não posso
e não devo
-- e continuo tendo,
mais forte do que eu
é minha segunda natureza,
aquela pela qual
não me responsabilizo;
a que, mesmo não querendo,
me diz respeito.
Que me perdoem os anjos,
o próprio Deus.
Que me perdoe a vontade,
que tenho de sobra
e insuficientemente.
Que me perdoem
as certezas e as hesitações.
É coisa minha.
Tenho medo
de ser menos do que humano,
pior do que os animais.
Tenho medo
de não ter medo.
Ronaldo Lima Lins
Doutor pela Sorbonne (Universidade de Paris III), tem pós-doutorado na École de Hautes Études en Sciences Sociales e ocupa a posição de Pesquisador IA do CNPq. É Titular de Teoria da Literatura da Faculdade de Letras da UFRJ, instituição que dirigiu por duas vezes. Publicou obras de ficção (Os grandes senhores; Material de aluvião, ambos em Portugal; A lâmina do espelho; As perguntas de Gauguin; Jardim Brasil: conto) e ensaio (O teatro de Nelson Rodrigues, uma realidade em agonia; Violência e literatura; Nossa amiga feroz,breve história da ‘felicidade’ na expressão contemporânea, O felino predador, ensaio sobrea história maldita da verdade, A indiferença pós-moderna, e A construção e a destruição do conhecimento). Seu último livro (de poesias) chama-se Mais do que a areia menos do que a pedra (Editora 7 Letras).
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
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