Ronaldo Lima Lins

Doutor pela Sorbonne (Universidade de Paris III), tem pós-doutorado na École de Hautes Études en Sciences Sociales e ocupa a posição de Pesquisador IA do CNPq. É Titular de Teoria da Literatura da Faculdade de Letras da UFRJ, instituição que dirigiu por duas vezes. Publicou obras de ficção (Os grandes senhores; Material de aluvião, ambos em Portugal; A lâmina do espelho; As perguntas de Gauguin; Jardim Brasil: conto) e ensaio (O teatro de Nelson Rodrigues, uma realidade em agonia; Violência e literatura; Nossa amiga feroz,breve história da ‘felicidade’ na expressão contemporânea, O felino predador, ensaio sobrea história maldita da verdade, A indiferença pós-moderna, e A construção e a destruição do conhecimento). Seu último livro (de poesias) chama-se Mais do que a areia menos do que a pedra (Editora 7 Letras).

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Medo

(voz: Maria Caú)

Eu não tenho medo
de fantasmas;
nem de mim,
do que sou capaz.

Não temo o acaso,
a idade, a morte.
As guerras,
diante das fragilidades
da matéria,
me soam naturais.

Difícil seria a paz,
quando nascemos
na dor.

Custei a entender
a anatomia do medo,
o momento em que o felino
assalta o espírito.

As florestas e os desertos,
contrários como são,
imitam-se na escuridão
das ameaças.

Medo que apavora
é o medo de estar só.
Olhar em volta
e não reconhecer ninguém,
não se reconhecer.

Isolados, os soldados
perdem o uso das pernas
antes que a explosão
as leve pelos ares.

Eu,
capitão das minhas batalhas,
errei na ânsia de acertar.


A anestesia que me
ganhou o corpo
tinha um encanto
traiçoeiro,
ao mesmo tempo
sedutor e voraz.
A marca das marcas
do Demônio.
Medo é o que não posso
e não devo ter.
É como uma segunda natureza,
que faz da primeira
um joguete.
Mas se não posso
e não devo
-- e continuo tendo,
mais forte do que eu
é minha segunda natureza,
aquela pela qual
não me responsabilizo;
a que, mesmo não querendo,
me diz respeito.

Que me perdoem os anjos,
o próprio Deus.
Que me perdoe a vontade,
que tenho de sobra
e insuficientemente.
Que me perdoem
as certezas e as hesitações.

É coisa minha.
Tenho medo
de ser menos do que humano,
pior do que os animais.

Tenho medo
de não ter medo.

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