Ronaldo Lima Lins

Doutor pela Sorbonne (Universidade de Paris III), tem pós-doutorado na École de Hautes Études en Sciences Sociales e ocupa a posição de Pesquisador IA do CNPq. É Titular de Teoria da Literatura da Faculdade de Letras da UFRJ, instituição que dirigiu por duas vezes. Publicou obras de ficção (Os grandes senhores; Material de aluvião, ambos em Portugal; A lâmina do espelho; As perguntas de Gauguin; Jardim Brasil: conto) e ensaio (O teatro de Nelson Rodrigues, uma realidade em agonia; Violência e literatura; Nossa amiga feroz,breve história da ‘felicidade’ na expressão contemporânea, O felino predador, ensaio sobrea história maldita da verdade, A indiferença pós-moderna, e A construção e a destruição do conhecimento). Seu último livro (de poesias) chama-se Mais do que a areia menos do que a pedra (Editora 7 Letras).

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O amanhã II


(voz: Julia Pastore)

Se eu nascesse amanhã,
arquiteto ou construtor,
poeta, pintor ou narrador,
faria da Terra um planeta
sem rusgas e sem arestas

Não projetaria para ele
um campo de rosas que
resistissem aos furacões.

Buscaria a beleza da
fragilidade, a ligeireza
e a limpidez das cores,
a suavidade dos gestos.

Onde houvesse força,
desenharia aflições;
onde houvesse nação,
descobriria gente.

Não reservaria um espaço
para o sucesso, para o poder
ou para os tempos de glória.

Escreveria a história
pelos lados da paixão.
Rejeitaria a indiferença,
as reservas e a malícia.

Não precisaria de uma
paisagem para sustentar
sonhos de grandeza e
de afirmação retórica.

Montanhas e planícies
enfeitariam como aqui
os quadros do cenário.

Dinheiro, melhor seria
eliminá-lo, se possível
junto com a pretensão.

Se eu nascesse amanhã,
estenderia um tapete
branco para a humildade.
A imaginação ocuparia
um lugar de destaque,
e a sensibilidade venceria
da inteligência entre as
virtudes do caráter.

Se eu nascesse amanhã,
lançaria contra a miséria
as armas da infantaria.

Mas se um dia descobrisse
que o ontem está no hoje e
que ambos se encontram no
depois, no rastro do infinito,
se me alcançasse a certeza
da inutilidade dos projetos,
com a derrota de todos os
esforços e romantismos,
não diria: Chega. Nem: Desisto.


Mesmo que fosse
apenas para me enganar,
sentaria diante de um piano
e, com as notas que ignoro e um talento
que não possuo, experimentaria uma multidão
de sons contraditórios
na execução de uma peça
em busca da harmonia.

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