(voz: Ronaldo Lima Lins)
Furar o instante.
Fugir dele.
Se fosse possível
atravessá-lo com um tiro,
eu acionaria os gatilhos do tempo
e mudaria
de corpo, de alma, de condição.
Romperia as barreiras
da limitação
e decretaria a vitória
do grau zero
sobre a matemática do infinito.
Um corpo se costura.
A alma não se costura.
Carrega o peso das operações
malsucedidas.
Não supera os dias.
Guarda-os nas gavetas
líquidas de seus arquivos.
É rua de mão única,
sem endereço,
sem porto de chegada.
O melhor dos cirurgiões
não extrai esses tumores
encravados nos instantes.
Um que levei no coração,
tentando transferi-lo
de um lugar para outro,
enquanto fingia
que tudo ia bem,
sangrou tanto
que me tirou o fôlego
e a capacidade de reagir.
Fiz como os esportistas
frustrados.
Nadei na lagoa seca
das fábricas do insucesso.
Uma agulha esterilizada
lancetou o caroço.
Devolvido à insignificância,
conservou, mesmo assim,
sua presença invisível.
Um corpo se costura.
A alma não se costura.
Nenhum fio lhe junta os pedaços.
Nenhuma linha resiste,
sem romper,
ao tecido avesso de sua máquina
indecifrável.
É matéria para consumir
a energia da luz;
escuridão que parece orientar
– e desorienta.
Melhor não pensar que liberta,
porque não liberta.
Solta as amarras da inteligência
apenas para provar que não prova.
E sopra as velas da realidade
nas festas à fantasia da ilusão.
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